Pois LIVRE é uma literatura, que talvez agradasse até mesmo à aquela professora ranzinza que não gosta de fantasia.
Não é uma "história inventada", mas sim o depoimento da autora Cheryl Strayed sobre como, aos 22 anos, após a inesperada morte prematura de sua mãe, o distanciamento dos irmãos e um divórcio, decidiu fazer uma trilha de longa distância, a caminhada pela Pacific Crest Traisl atravessando a pé do Deserto do Mojave até o final do Oregon/EUA.
Quando era adolescente, existia um mote que a gente sempre repetia, quando tudo acontecia rápido demais para absorver tanta informação (normalmente, semana de provas...). A gente repetia, uma para as outras, PAREM O MUNDO QUE EU QUERO DESCER! Provável seja uma frase de Mc Luhann, ou de algum outro dos meus autores prediletos da época. A memória deletou a autoria, mas a frase eu nunca esqueci.
De fato, não é um livro de "fantasia". As tragédias da autora/personagem são trazidas pela memória, as aventuras estão dentro do que se poderia esperar dos riscos, esforço e perigos de uma trilha de longa distância. Ainda assim, é um livro envolvente, daqueles em que a gente confunde se está mesmo lendo, ou se não estamos nós/leitores, atravessando aquela trilha pensando também em nossos próprios problemas.
Perdi a conta do número de vezes em que "conversei" com a autora/personagem, como se pensasse duas coisas ao mesmo tempo, o que eu lia e as minhas próprias reflexões que se misturavam. Pelo menos uma vez, lembro de ter respondido a ela. Foi na parte em que ela tem a opção de continuar a trilha com outros trilheiros que conheceu no acampamento, mas prefere prosseguir sozinha, e é sozinha que estranha sua própria decisão. Foi uma (das várias) partes em que me identifiquei com a autora/personagem, e até comentei com ela (???) que na primeira vez que fui morar sozinha, uma amiga comentou que ia estranhar "como a gente pensa!", quando fica só, e como isso é verdade. Acho que também teria seguido sozinha... e segui, de certa forma, junto com o texto.
Mais de uma vez, fantasiei o que aconteceria, se simplesmente jogasse tudo para o alto, colocar uma mochila nas costas e sair caminhando. Porque, como a autora/personagem, também tive as fases da vida em que parece que tudo dá errado, e que reverter ou recomeçar será um esforço tão extenso, e será que vale a pena? Há uma carta do meu tarot que fala deste momento, quando caminhamos de mãos vazias em direção ao abismo (ou ao desconhecido). Nunca o fiz, mas lendo LIVRE, ficou a pergunta: quem eu seria "hoje" (ou quem seria "você"?), se tivesse mesmo colocado a mochila nas costas e partido?
