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domingo, 25 de novembro de 2012

MANUAL DE SOBREVIVÊNCIA DO SÉCULO XXI

... encontrar vontade de fazer coisas que não estou com a menor vontade de fazer.


Escrever no blog, quando deveria estar estudando prá prova da semana, é um desabafo. Será impressão minha, ou cada ano estou mais submersa em uma miríade de coisinhas pequenas, que não tenho vontade de fazer mas me obrigo pelas mais diversas razões, e que tomam tanto tempo?

E dizer que quando mamãe contava de nossas avós, de todo o tempo que levavam passando a ferro em brasa as camisas masculinas engomadas com clara de ovo... que seriam usadas uma única vez e lavadas novamente... eu achava tudo tão inútil!


Não há mais ferros em brasa...
Mas parece que tantos outros hábitos, diários, cansativos e entediantes, tomaram seu lugar.

Nesta terra que só chove, o mato cresce com vigor, todo fim de semana tem alguma grama prá cortar. Diz minha dentista que doenças periondontais são questão de saúde pública, e que afetam a quase todo mundo. Não sei se é fato, mas agora fico meia hora de esfregação dentária com novos apetrechos prá limpar os dentes, só a escovação não basta mais. Já reclamei da caixa de entrada de e-mail, que desde que participo do facebook tem uma média de 50 avisos por dia, mais das vezes sobre postagem de gente que nem conheço. Todo dia levo uns vinte minutos só pra separar o que ler e o que não precisa ler dentre todos os avisos jogados na caixa de entrada. Agora, estou na semana final da graduação, e ainda odeio o tal do TCC. Não me conformo com tão pouca importância aos trabalhos práticos, versus um ano de estudo teórico para escrever, e reescrever, e corrigir e reescrever de novo, um texto que é chato até pela formatação exigida e... convenhamos... só eu e a banca vamos ler! Decidi fazer boicote de telemarketing: ligou prá minha casa, hora do jantar, e me fez parar a comida prá ouvir propaganda de produto, não compro, não voto, não uso, nem agora, nem nunca.

Se a lista acaba aqui? Ah, não. Aparentemente a lista não acaba jamais.
Mas como o dia só tem 24 hs e eu não tenho um clone para me substituir, o método tem sido separar em listas diferentes.

O que é importante, eu faço.
O que talvez até fosse importante, mas não tenho muita certeza do porquê, vai prá lista.

O controle do peso, o controle do orçamento, junto com a dúzia de telefonemas de contato que não fiz ainda, e continuar os projetos pessoais em arte - inclusive a segunda saga do Templo -, estão na lista QUALQUER HORA DESTAS, EU FAÇO.
Na lista DEIXE PARA DEPOIS DE AMANHÃ O QUE NÃO PRECISA FAZER HOJE, ficaram os cursos de atualização, voltar a estudar piano, a cabeça de argila em construção, e os cartoons das Falantes Anônimas.
Já criei o SETOR DE RECLAMAÇÕES: quem quiser reclamar, particularmente sobre mim, favor baixar formulário pela internet e preencher, pagar a taxa de avaliação, protocolar na secretaria e aguardar sentado que, um dia, prometo que verifico do que se trata.
E tem também ós inúmeros pleitos daquelas coisas que parecem ser muito importante para "os outros", mas que ainda não achei motivo para incluir na minha própria vida. Neste está, em primeiríssimo lugar, criar uma rotina de exercícios físicos. Logo em seguida, vem fazer viagens (sempre digo... se não fosse humana, seria uma árvore com raízes fundas marcando o lugar onde nasci). Esses, coitados, foram parar na lista do SERÁ QUE ALGUM DIA VOU FAZER?

Às vezes me sinto irresponsável, porque cada dia parece acumular mais e mais coisas pequenas, rotinas lentas que deveriam ser feitas todos os dias. Nestas horas, lembro do ferro em brasa da minha bisavó. Tanto trabalho... TANTO TRABALHO!, e disso tudo só restou a lembrança da mamãe que, elogiando os ferros elétricos, contava da brasa que pulava do ferro antigo, sujando a roupa que tinha que ser lavada outra vez. Nada além de palavras.. Nem mesmo nas fotos antigas de família, naquele preto e branco agora um sépia desbotado, é possível perceber o trabalho insano daqueles mulheres antigas.

Talvez por isso, olhe minhas "listas" com certa ironia.
E ao definir prioridades, tento fazer escolhas que não sejam tão pesados quanto os ferros em brasa da minha bisavó.


Falar em coisas importantes, quase esqueci!
Esta semana, segunda feira, abre exposição.
Adorei o título (inclusive porque participei do processo de criação): ANTES DO FIM, 2012!
O mundo pode até acabar, mas nossa exposição vem primeiro!





Nesta exposição, apresento o triptico, o (segundo) NATUREZA HUMANA.
Ainda não tenho fotos na exposição, então segue uma foto "aqui de casa mesmo"!
 
 
 
 
 

domingo, 18 de novembro de 2012

MANUAL DE SOBREVIVÊNCIA DO SÉCULO XXI

...NÃO QUERO CONSELHOS, OBRIGADA.

Vamos ser sinceros?
Se o conselho fosse bom, não davam de graça.
O que a gente dá, de graça, é palpite na vida alheia.
Só isso.

Claro que eu sei que palpitar na vida alheia, é gostoso.
Também concordo sobre como é fácil resolver os problemas alheios... Difícil é resolver os nossos! Até aqui, nenhuma novidade, meus bisavós já sabiam que pimenta no..."olho"... do vizinho, não dói.

Mas antes de me dar MAIS UM conselho "de revista", por favor, pare e pense.
Sim, eu assisto televisão, leio revistas e jornais escuto rádio. Então, não tem necessidade alguma, de repetir no meu ouvido a mesma coisa que eu já ouvi nas mesmas mídias. Muito menos fazendo pose de professor, como se a mensagem fosse uma criação sua!

QUE TAL FAZER UM ELOGIO?
Elogio é uma coisa sensacional, porque nos obriga a prestar atenção na pessoa que está na nossa frente, ao invés de nos isolar de todo mundo olhando, apenas, para o comportamento idealizado que só existe dentro das nossas cabeças.
Elogio é muito bom, porque nos obriga a olhar o que existe de virtude em outra pessoa, ao invés de nos concentrar naquilo que nos incomoda.
Elogio nos torna mais otimistas, porque nos aproxima das pessoas de quem gostamos, enquanto a crítica nos aproxima daqueles que nos fazem mal.

E mais uma coisa: esqueça esse sorrisinho condescendente.
Nenhum sorriso condescendente vai conseguir disfarçar a prepotência de alguém se acha melhor do que o restante do mundo, nem esconder a crítica mal mascarada de "conselhos".

BLANZIFLOR!





... finalmente, consegui entrar na internet, depois de três dias brigando com o computador. Lá se foi o feriado, que passou rápido demais com problemas que eu nem sabia que tinha!

Não vou só reclamar, há coisas boas na modernidade. Por exemplo, a anestesia. Lembro disso cada vez que vou no dentista (... pois é, tenho medo de dentista. Talvez seja o barulho da broca, devo ter uma caixa acústica no cérebro, o zumbido ressoa nos neurônios e me assusto. Talvez seja apenas a sensação de vulnerabilidade, ali sentada olhando o teto como um pesadelo em noite de insônia. Ou quem sabe, porque mais das vezes, aquilo dói, mesmo.). Invenção maravilhosa, esta. Não tenho medo da morte, mas tenho medo da dor. Outro exemplo? A geladeira. Invenção sensacional, como eu poderia viver sem geladeira? E os livros que podem ser comprados com cartão de crédito, é claro. Eu até poderia disfarçar e quase acreditar que não sou consumista, não fossem as livrarias. Quanta opção! E, claro, a televisão a cabo, que considero um luxo da vida solitária, hipnótico e divertido.

Mas "computação", tenho que reconhecer, é um avanço científico e tecnológico cuja transição eu sinceramente preferia não ter vivido. Por isso, minha LIÇÃO DE LUCIDEZ, depois de mais este fim de semana, foi aprender a controlar a frustração com a assustadora fragilidade dessa tecnologia "Torre de Babel". Com os CDs que riscam... os pen-drives que pegam virus... ou a internet "sem conexão" ou que "desconfigurou".



 
 
Paciência... Se preciso viver com essa tecnologia irritantemente frágil, preciso de paciência. Então, o melhor é curtir o finzinho do feriado, esticar no sofá com uma bebida gelada e assistir TV!

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Manual de Sobrevivência do Século XXI

... e mais uma coisa com a qual preciso aprender a lidar: ansiedade.

OBRIGADA, AMIGA que já enfrenta ansiedade, e que teve ouvidos para me ouvir ontem, enquanto desabafei a dificuldade em lidar com mais este problema novo... OBRIGADA, não só estou me esforçando para seguir seus conselhos, como estou escrevendo sobre eles, reforçando os pontos positivos, como você me ensinou a fazer.

Ansiedade é um problema novo, na minha vida.
(E já estou doida prá me livrar dele!)

Verdade seja dita: nunca parei prá pensar no futuro, tempo suficiente para sentir medo.

Fui jovem em uma época surpreendentemente libertária (comparada com o que vejo hoje), onde a rebeldia criativa e uma dose de irresponsabilidade era parte intrínseca da expressão da vontade de viver.
Eu era feliz e sabia: com o passado eu aprendia, vivia o presente com intensidade, e olhava o futuro com fantasias grandiosas e irrealizáveis... e pouco importava se algum dia chegaria tão longe, isso nunca foi uma meta ou uma preocupação, pois o trajeto da vida sempre foi mais importante do que atingir qualquer objetivo.

Entretanto, de repente, eis-me aqui em crise de ansiedade, com medo do futuro.
E precisando das palavras de uma amiga, para voltar a raciocinar com um mínimo de clareza, para voltar a ser o que eu sempre fui.
Prá que não aconteça comigo, o mesmo que na parábola do vendedor de cachorro quente...

(Não conhece? Conto procê: ... era uma vez, um sujeito que vendia cachorro quente na beira da estrada. O sanduba era bom, mta gente parava prá comer. E ele colocou propaganda na estrada, depois construiu uma salinha, depois ampliou prá lanchonete, colocou mais propaganda, o empreendimento só fazia crescer. Homem simples, fez questão que os filhos estudassem. Vendendo cachorro quente, formou filho doutor, que ganhou mundo e foi estudar no país distante e importante. Mas quando o filho "doutor" voltou, trazia más notícias: O MUNDO ESTAVA EM CRISE! Guerras, fomes, pestes, tudo acontecia ao redor da velha e lucrativa barraca de cachorro quente. O pai se espantou, não sabia. Ficou com medo das más notícias. E com medo, foi guardando o dinheiro que pouco rendia, nada mais investiu. Deixou cair o cartaz de propaganda, que o tempo e o mato destruiu. O comércio foi decaindo, os clientes foram se afastando. Poucos anos depois, empobrecido, quase  falido, o velho pai olhava a decadência à sua volta, enquanto refletia sobre a confirmação fática da auto profecia: QUE BOM QUE MANDEI MEU FILHO ESTUDAR NO EXTERIOR, ele tinha toda a razão, olha só, O MUNDO ESTÁ MESMO EM CRISE!)

Então, TERCEIRA LIÇÃO DE LUCIDEZ será reaprender a não perder meu precioso tempo tentando antecipar ou adivinhar problemas que eu ainda não tenho. E no lugar, reaprender a dar valor às pequenas coisas que me dão prazer e recuperam minhas forças no dia a dia.

Não é tão fácil quanto parece.
Estou fazendo o movimento contrário ao da mídia que me cerca de todos os lados, pela televisão, pelos jornais, pela internet, e que funcionam como uma goteira incômoda e incessante, um pingo de cada vez, repetitivo, inacabável.
Minha "arma secreta" sempre foram, e ainda são, os livros. Amados e disponíveis, são eles que me levam ao mundo da fantasia onde só existe o presente.
São o muro que deixa do lado de fora  a mídia que berra sozinha para que eu preste atenção em um futuro que talvez jamais aconteça...  as doenças que posso ter "no futuro", da violência urbana de que posso ser vítima "no futuro", da inflação que pode me deixar pobre "no futuro", dos radicalismos terroristas e idealistas que podem restringir ainda mais a minha vida "no futuro", e o que mais conseguirem inventar de alarmante e terrífico.

Preciso me desintoxicar desse futuro apocaliptico tão anunciado.

A pergunta é outra: HOJE, tenho algum problema para resolver?
HOJE, há alguma coisa excepcional acontecendo?
HOJE, vou resolver os problemas que eu TENHO.

E se não há nenhum problema, vou apenas aproveitar a vida.
Afinal, amanhã é outro dia, e o futuro não pertence a ninguém.



segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Manual de Sobrevivência ao Século XXI

... e ainda fico impressionada, vivendo em cidade grande, todos os dias andar no meio de centenas de pessoas, ônibus lotados, lojas apinhadas, ruas movimentadas... estar entre centenas de pessoas que não conheço, não sei quem são, nunca as vi antes, provavelmente não as verei novamente.

É uma sensação estranha, um isolamento peculiar.
Pessoas, muitas pessoas, estou rodeada de pessoas, mesmo assim não há ninguém a quem cumprimentar, não há rostos conhecidos, apenas uma multidão de anônimos, eu entre eles. Dizem na televisão que somos mais de sete bilhões de seres humanos no mundo. Sou sincera: o número não me diz nada, mais "zeros" do que consigo visualizar. O que percebo claramente é que a cidade cresceu, o número de pessoas aumentou, os carros transitam entre engarrafamentos, as casas se tornaram apartamentos e os apartamentos se tornaram cubículos.

Às vezes sento no banco da praça, para olhar essa gente que passa apressada, e o termo que vem à mente é "opinião pública". Um termo com o qual implico, ali juntinho com "estatística". Termos que são como os "bilhões" de pessoas, não tem rosto mas falam, não tem nome mas opinam com força. E como diz o filósofo (Luiz F. Pondé), a mediocridade anda em bando... andam juntos nesta tal de "opinião pública".

Ainda não consegui paz de espírito para lidar com fantasmas .
("opinião pública", e "maioria", são fantasmas, não são? Eles não existem... de fato, como indivíduos, como pessoas, não existem... mas estão lá, tem força, interferem, incomodam, e precisamos aprender a lidar com eles).

Ainda não engoli direito essa verdade alardeada, que meu comportamento "deveria" ser pautado por pessoas que não conheço, que não me conhecem, tudo com uma ignorância tão absoluta que, por não saber sequer quem é esse outro bilhão e onde ele existe (individualmente falando), sou tolhida até mesmo da simples curiosidade em conhecer...


Alguém me disse que estamos vivendo tempos de "burrice complexa".
Adorei o termo, incorporei ao meu vocabulário.
Porque opinião pública fala por verdades simples... não fosse o fato de que não são"verdades", tampouco são "simples". Simples, era o velho e fácil "senso comum".
Porque abdicamos do calmo e tranquilo "bom senso"?

No lugar de uma SEGUNDA LIÇÃO DE LUCIDEZ, nesse meu Manual de Sobrevivência para o século XXI, por enquanto tenho apenas uma pergunta em aberto, que fica cutucando meus neurônios em busca de uma resposta.

domingo, 4 de novembro de 2012

Pergunta da POE

 
 
 
 
 
 
 
 



 


Manual de Sobrevivência para o Século XXI

... porque vou precisar de um Manual de Sobrevivência para envelhecer no século XXI.

Acho que entrei naquela fase em que minhas certezas se esvaíram, e as dúvidas aumentaram na mesma proporção. Já perdi a conta das vezes em que precisei aprender de novo aquilo que já sabia, não interessa se são as (novas) senhas do cartão de débito/crédito/lojas/etc, ou a (nova) interface de algum (novo) eletrônico.

Mas apesar dos esforços intensos para manter uma placidez bovina e receber o admirável mundo novo com tranquilidade, parece que só consegui o efeito inverso... É como sentar sobre um barril de pólvora para acender um cigarro. Tento ignorar, mas fico presa entre o tédio e a ansiedade, num círculo vicioso.

A idéia do Manual de Sobrevivência foi surgindo devagar, porque preciso encontrar forças para colocar em ordem a miríade de pequenas coisas acumuladas por décadas e duas gerações, decidir o que ficará porque é importante como documento ou lembrança, e do que preciso me desfazer. E foi assim que percebi como os costumes mudaram em tão pouco tempo. São coisas pequenas, mas fazem tanta diferença!

Agora penso nisso, porque quero uma maturidade sábia, tranquila, lúcida, inteligente, produtiva.
Constatar essas pequenas coisas, são exercícios de lucidez?

Então, minha PRIMEIRA LIÇÃO DE LUCIDEZ, é constatar como essa década produz lixo, e acumula lixo! E eu não estou falando dos lixões a céu aberto, da poluição ambiental, das épicas discussões de fóruns mundiais.
Estou falando aqui da minha casa mesmo, dos guarda roupas lotados de eletrodomésticos antigos e quebrados. Daqueles que foram usados por décadas, e quando finalmente quebraram, já não existia mais peça de reposição. Daqueles que foram usados por anos, e quando quebraram, custava mais caro o conserto do que comprar um produto novo, porque estes já eram da geração descartável, com tempo de uso programado... e curto. E daqueles que nem mesmo chegaram a estragar, mas se tornaram obsoletos e precisei substituir por uma (nova) tecnologia. Eu os olho empilhados, no canto de um guarda roupa, à espera do descarte, e penso quão poucos comprei porque desejava o produto, quantos dele me obriguei a comprar porque eram necessários às transições para a vida "moderna".

O acúmulo é outra questão...
Pretendia começar mais esse ciclo de limpeza "de armários", juntando e descartando esses produtos. A tarefa não é tão fácil quanto parece. Há descartes "especializados" para cada produto, em lugares e com equipes diferentes. Alguns dependem da minha iniciativa: roupas, pilhas, baterias, remédios vencidos, esses eu mesma tenho que levar onde quer que seja o lugar de descarte. Os de maior peso, eletrodomésticos, dependem de agendamento de horário para buscar. Nem precisa comentar que o agendamento é por internet, e nos mesmos horários em que estou trabalhando. Por isso, o acúmulo de eletrodomésticos desativados não é nenhum apego emocional, mas a simples impossibilidade de estar em dois lugares ao mesmo tempo: trabalhando como preciso, e ao mesmo tempo em casa e à disposição dos horários das equipes de reciclagem.
Conclusão?
Pois é: os armários continuam lotados de bugigangas.

Deixei os eletrônicos onde estavam, para atacar outro acúmulo incomodativo: recibos guardados há mais de cinco anos. Este é outro canto de armário difícil de arrumar. Tinham os documentos do meu pai, que mamãe teve dificuldade em mexer quando se tornou viúva. Então, quando ela mesmo faleceu, sobraram os documentos do papai, da mamãe, junto com os meus, mais os recibos de pagamentos de zei láh quantos anos, manuais e garantias de todos os aparelhinhos comprados no período, separados, guardados e na verdade misturados, em mais pastas, envelopes, caixinhas e saquinhos plásticos, do que fui capaz de contar.
Passei um dia inteiro de feriado selecionando documentos, o que fica, onde fica, o que vai. Cansativo? Não, extenuante.
(E como brinde, ainda mais uma bronquinha da filha, porque deixei a reciclagem prá lá, coloquei a papelada na churrasqueira e tasquei fogo. Agora, me digam: onde ainda iria achar uma picotadora de papel? E o quê pode acontecer, com recibos, talões de cheques vencidos e documentos extraviados por aí? Foi um fogaréu bonito. E sobrou pasta vazia. UFA!)

Vou lembrar disso, a partir de agora, cada vez que me sentir tentada a comprar outra bugiganga, outro bibelô, outro eletrônico prometendo a porta de entrada para um novo mundo.
Vou lembrar dos armários lotados de produtos obsoletos, e da dificuldade em descartá-los.



Detalhe rosto/argila - contraste em paint -
ELAINE NOVAES FALCO em 2012

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Quero viver a vida na flauta...


... dançar pelos campos em liberdade, ouvir música na natureza, criar sonhos com barro.


Caixa de Pandora - Elaine Novaes Falco - 2009


domingo, 17 de junho de 2012

O TEMPLO ARCAICO

Quão longe posso ir,
quando dependo apenas da minha imaginação?




Templo antigo, acrílica sobre tela, Elaine Novaes Falco/2012

sexta-feira, 8 de junho de 2012

... porque quero ver seu rosto, assim saído da imaginação...



Fauno, da série Leituras de Tarot (2012/ainda em construção)
Elaine Novaes Falco
A JUSTIÇA QUE DEMORA, JÁ FALHOU...


Justiça, da série Leituras de Tarot, Elaine Novaes Falco/2012






sábado, 28 de abril de 2012

Asas da paixão

Adobe de argila, acabamento em cerâmica fria e acrílica/2012/ELAINE NOVAES FALCO



(Mais detalhes e outras fotos desta peça, estão na página "Esculturas em Adobe de Argila")

domingo, 1 de abril de 2012



MAURA & ARIEL



Maura sabia que havia um Destino para ela, em algum lugar e por alguma razão.


Porque não saberia?


Nunca soube quem era seu pai, A mãe não havia revelado a ninguém, não se sabe se nem ela sabia, ou se o pai havia recusado assumir a criança. E quando a moça morreu na hemorragia que se seguiu ao parto, levou o segredo junto com ela.


Dizem que seus avós tinham ficado muito revoltados quando sua única filha, criada com tanto amor, aparecera grávida ninguém sabia de quem. Mas Maura não tinha certeza do que o povo falava. Os avós a criaram com tanto amor quanto haviam dedicado, antes, à filha. Pena que já eram idosos, e naquela cidade pequena perfumada da brisa do mar, atendimento médico só existia nas épocas de temporada.


Primeiro, foi o avô quem faleceu, no ano em que Maura havia chegado á flor dos quinze anos. Um ano muito conturbado, aquele, marcado pela dor, pela viuvez e solidão da avozinha querida, mas também da descoberta do amor e do sexo, em uma paixão de verão, fulminante e proibida. Naquele ano Maura descobriu porque ninca se sentia atraída pelos rapazes, porque os achava bons amigos, mas agressivos, bobos, desinteressantes. Maura descobriu que seu amor era mais doce ao lado de outra mulher.


De qualquer forma, havia sido apenas um amor de verão. E quando as férias terminaram, mais do que nunca Maura apertou nos estudos, sonhando ser professora. Terminou o magistério, já dando aulas em uma pré escola local. Incentivada pela avó, entrou logo para a faculdade de pedagogia na cidade vizinha, maior. Não era nada fácil acordar muito cedo para conseguir chegar à faculdade, e voltar correndo para ainda dar as aulas pós intervalo, na pré-escola, mas o dinheiro da pensão da vovó era tão pouco, que não havia outro jeito.


Os anos passaram rápido, mas não tão rápido quanto Maura precisava... Mais uns poucos meses, e a avozinha adorada teria visto sua netinha querida subir ao tablado e receber o diploma de professora. No dia em que Maura prestou juramento, concluindo seu curso superior, não havia mais nenhum parente vivo que pudesse assisti-la na platéia. Não sabia quem era seu pai, não conhecera sua mãe, havia enterrado o avô e a avó queridos, e seu mundo se reduzia aos poucos amigos, aos alunos e a pequena casinha que lhe havia restado de herança.


Mas Maura não esmoreceu. Havia prometido isso para a vovó, que ela seguiria em frente e construiria uma família bem grande. Claro que vovó não sabia que ela não gostava de homens, mas quem precisava saber? A Deus pertence o futuro, e Deus haveria de prover uma forma pela qual Maura pudesse cumprir a promessa feita com o coração cheio de amor.


E Maura queria muito uma família grande, só não queria um homem em sua vida, a menos que fossem seus filhos... E seu destino, ela começou a traçar menos de dois anos depois, quando a vizinha desbocada e irresponsável engravidou de um turista bonitão e de paradeiro desconhecido. A fofoca se espalhou pelo vilarejo, e revoltada, a menina decidiu deixar aquela vida para trás, colocar a mochila nas costas e ir ganhar o mundo em uma cidade grande. Numa saída de escola, conversando com Maura de sua revolta, disse que iria dar a criança assim que nascida, para poder ir-se embora, livre, pois confiava mais em estranhos, do que na própria família.


E Maura pediu: porque não deixa a criança comigo?


E assim foi feito. Mal o bebê nasceu lhe foi entregue, uma menina gorducha e sorridente. Pela primeira vez, Maura se sentiu realmente feliz. Deu à menina o nome de Bruna. Deixava a criança na creche enquanto dava suas aulas, mas saía agitada atrás do bebê. Era a sua princesa, sua boneca viva e sua razão de viver.


A história correu de boca em boca. E poucos meses depois, numa manhã quente de verão, Maura abriu a porta de casa e deu de cara com outro bebê recém-nascido, abandonado e choroso, mal acomodado dentro de uma caixa de sapatos. Nenhum bilhete, nenhum registro. Maura o chamou Arthur, nome de herói.


Suas posses eram poucas, mas até vizinhos, comovidos com sua generosidade, ajudavam. E assim a história de Maura continuou a correr de boca em boca, e nos dois anos que se seguiram, mais quatro pequerruchos chegaram à sua casa.


Os gêmeos André e José foram trazidos com três anos de idade, subnutridos, entregues pela mãe doente e desesperada.


Chiquinha já´tinha sete anos quando a mãe, bêbada conhecida da pequena cidade, morrei de cirrose hepática. Ela fugiu dos avós, que batiam muito, chorou tanto que conseguiu ficar morando com Maura.


E por fim, Gabrielle, abandonada pela mãe na pracinha, também foi levada para a casa de Maura, de início como um arranjo provisório, mas dali jamais saiu.


A pequena casa de Maura quase parecia uma creche, mas ela estava por demais alegre para perceber isso. A cada algazarra das crianças, Maura lembrava o quanto era feliz, e abençoava a avozinha a quem tinha prometido formar uma família grande. A seu jeito, Deus arranja tudo.


Naquela tarde ensolarada, Ariel sentou em frente as pedras da beira mar, aonde elas formavam um pequeno precipício, e ficou horas assistindo, de longe, os surfistas coloridos, as crianças barulhentas, as famílias descansando na temporada de verão.


Mas o que Ariel pensava, era se valeria a pena continuar a viver. Seria tão simples jogar-se naquelas pedras, e terminar uma vida que ela não sabia mais porque continuava a viver.


Jamais teria coragem de assumir que era lésbica. Desde a adolescência, quando o desejo pecaminoso ardeu em seu sangue, ela fez o possível para reprimir. Demorou anos até decidir aceitar um namorado, fez questão de estudar muito e graduar até no exterior. De família muito rica, Ariel tinha tido todos os recursos e desculpas para omitir o quê era, até que a solidão foi mais forte do que o prazer escuso a que se permitia muito longe de casa. E ela aceitou um namoro tardio que, pouco tempo depois, transformou-se em um casamento.


Havia sido muito difícil, quase insuportável. Mas Ariel não ignorava que o casamento não estava baseado em amor, mas no dinheiro que provinha fácil da família dela. Ainda bem que seus pais haviam exigido a separação total de bens, quando do casamento. Porque todo aquele sacrifício, quase um ano de entediante vida a dois, havia sido em vão.


Como se arrependia de não ter feito os exames ante-nupciais.


Como foi doloroso fazê-los depois, para descobrir que era estéril. Que jamais conceberia filho algum. Que todo aquele esforço em buscar pela aparência de uma normalidade, tinha sido em vão. O divórcio foi inevitável. Mas agora Ariel não sabia mais o que fazer da própria vida, não tinha por que acordar a cada novo dia, não tinha mais condições emocionais de viver com medo de que descobrissem a aberração que ela era.


Então, ainda com a desculpa da dor do divórcio, havia dado a ela mesma aquelas férias. Sozinha, numa pequena cidade praiana, olhando as ondas do mar baterem repetidamente nas rochas, tentando encontrar uma razão para continuar a viver.



MAURA & ARIEL  


As duas se conheceram por acaso. Para incrementar a renda necessária à família, Maura fazia bonitos arranjos com conchinhas, que vendia nas feiras da praça nos meses de temporada.


Estava levando mais algumas encomendas, enquanto Ariel passeava entre as barracas. A alegria de Maura era sempre contagiante, rodeada de seus bebês e crianças. Conversaram bobagens de comadres, Ariel gostou e comprou algumas pelas de decoração feitas por Maura, e se sentiu tão leve, na companhia dela, que se ofereceu para pagar sorvete para toda a criançada.


Sorvete pra criança em dia de verão, não é convite que se recuse. Saíram todas rumo à confeitaria, e dali já não se largaram mais.


Ariel ficou fascinada e apaixonada por Maura desde a primeira vez que a viu. Nunca tinha conhecido alguém tão livre, e nunca havia sido tão feliz quanto no meio daquela família barulhenta. Voltar ao hotel ao final do dia era uma tortura até então desconhecida.


No final da primeira semana, houve intimidade o bastante na conversa para que Maura falasse de seus sentimentos e de sua opção sexual. Ariel nunca imaginou que alguém pudesse falar sobre isso com tanta naturalidade, mas, pela primeira vez na vida, vislumbrou a possibilidade de ser feliz, sendo ela mesma.


E o mais foi surgindo aos poucos. No final do verão e no final da temporada, Ariel surpreendeu a família com a decisão de comprar uma casa na pequena cidade, e ali fixar residência. Ela e Maura já eram um casal, mas ninguém sabia disso.


Juntas, elas escolheram uma casa grande, capaz de abrigar toda a família e quem mais ainda viesse. De uma forma curiosa, elas fizeram quartos separados, mas contíguos, com uma passagem secreta por dentro de uma das portas do armário embutido, na mesma parede, em ambos os quartos, Decente como queria Ariel, íntimo como preferia Maura.


E assim os anos passaram. Juntas, elas criaram um posto de saúde, e a melhor creche da cidade, e seus atos beneméritos atraíram a aceitação de sua homossexualidade. Cinco anos depois, quando Chiquinha já entrava na adolescência, e outro bebê foi abandonado, desta vez na porta do posto de saúde, Maura e Ariel decidiram que era hora de legalizar, de alguma forma, aquela união e aquela família. Afinal, a qualquer momento, Chiquinha faria delas orgulhosas avós!


(Elaine Novaes Falco/2009)

sábado, 24 de março de 2012

Carmem, de Bizet


Esta tela, fiz em homenagem à cigana Carmem, da ópera de Bizet, em 2009, enquanto participava dos ensaios do coro para o último concerto que fiz desta obra.

O trabalho foi realizado com massa corrida sobre papelão, a palheta de cores com pó xadrez (à exceção do marrom escuro, que tem uma parte de tinta acrílica, porque o pó xadrez não chegava a um tom tão escuro quanto precisei para o contraste da sombra).

Foi uma tela trabalhosa, porque dependia de conseguir uma extensa palheta de cores, a partir do branco da massa base, mais diferentes quantidades de um único tom de azul, de amarelo e de vermelho, que misturava.

Esta tela, até o fim deste mês de março de 2012, está em exposição na Galeria Ponto de Fuga, exposição URBANO, no Espaço Cultural Fidel (Curitiba/PR).












quarta-feira, 21 de março de 2012

Kbô a série dos micro contos das Confissões...

Pois cer-veja só. Kbô. A série dos micro contos das "Confissões", todos os seis, prontos e postados.
Agora, preciso decidir o quê mais vou postar neste blog. Lana tirou férias, está viajando por aí, mas ainda tenho os micro contos de seu livro, disponíveis. É uma idéia, enquanto continuo os desabafos do TCC na página das "bonecas", e me preparo prá postar, em momento oportuno, a mais nova aventura que ando montando em adobe de argila.


Vou pensar.
Até o próximo domingo, decido.

CONFISSÕES [7]






(Elaine Novaes Falco - Confissões - 1998)

sábado, 10 de março de 2012

CONFISSÕES [6]



Um dia, ela vai reconhecer!  
Ah, se vai!

Pensa que qualquer outro homem teria dado a ela tudo, como eu dei? E foi só do bom e do melhor. Mas ela nunca está satisfeita. Nunca. Que inferno! Quer separação. Pois então, é isso que terá! E vai passar fome, quero só ver! Porque nunca deu valor a nada do que teve ao meu lado. Veio fácil, muito fácil. Pensa que é assim: vai gastando, só gastando. Mas agora, isso muda. Nada mais, disso. Comigo, não.

(...)

Ah, ah! Eu falei! Está sem dinheiro até para a escola da criança. Pois eu fui lá, e paguei. Sempre dependeu de mim, não sabe como é difícil conseguir o dinheiro. Ela vai voltar. E pedindo desculpas. Quero ver. É só esperar...

(...)

Está com outro homem! Eu sabia! Que outra razão teria, para querer separação? E deve pensar, que também este pagará tudo o que ela quer, fácil como eu fazia. Boba, é o que ela é.

(...)

Ela não voltou. Não pediu mais dinheiro. Será que este outro, é rico? Vou investigar.

(...)

Ah, ah, ah! Hoje, ela chorou! Fui lá, falei com todo mundo, argumentei, todos entenderam, ela está desequilibrada. Iam arranjar emprego para ela, mas desistiram. Provei que ela é louca. Provei que ela nunca fez nada, mesmo. Fui convincente, estou convencido, só mesmo sendo louca, para querer se separar de mim. Agora, sim, ela está desmoralizada e sem dinheiro. Vai ter que voltar. De joelhos, pedindo perdão. Por menos, não a aceito de volta, arranjo outra.

(...)

Arranjei outra, mesmo. Gostosinha. Precisava me valorizar, para quando ela voltar, saber que não fiquei sozinho, sofrendo, todo esse tempo.

(...)

Está demorando, e ela não voltou. 

(...)

Fiz minhas investigações, mas ela não está com ninguém. Está sozinha. Então, porque não volta? Está sem dinheiro, eu sei. Mas é orgulhosa, também. Não faz mal. Nada como a fome, para quebrar o orgulho. Nunca soube viver sem luxos!

(...)

Resolvi pagar as contas dela. Bom, já foi minha mulher. Mãe da minha filha. Achei justo, e ela viu como sou generoso. Até sorriu prá mim. Reconheceu meu gesto, não é burra. Mas não deixei barato, foi com minha amante novinha, esfreguei na cara dela que estou com outra pessoa. Ela só sorriu, mas tenho certeza que ficou com ciúmes. Pensou que eu era de jogar fora, heim? Aposto que está arrependida. Mas não quero nem saber: estou muito bem, livre, e com o meu dinheiro, só para mim. Ou quase isso.

(...)

Que merda, lavar louça. Que adianta máquina de lavar louça, se a máquina lava a louça e a depois a gente tem que lavar a máquina? Comprei móveis novos para a casa, vou gastar mais dinheiro comigo, mereço. Eu a levei para escolher os móveis, para ver tudo o que podia ter ao meu lado, e desprezou. Ela foi, escolheu, voltou para casa, não pediu mais dinheiro. Azar o dela. Tenho certeza de que já está arrependida da separação. Mostro a ela como estou feliz, como estou bem, cheio de mulheres querendo o que ela não quer, escolhendo com qual vou ficar esta noite. Tenho certeza, está com ciúmes. Disfarça bem, mas eu sei. Eu sei.

(...)

Porque sou sempre eu quem tem que telefonar para ela? Comprei uma blusa branca no dia dos namorados. Presente de ex-namorado. Ela emagreceu, está bonita. Com certeza, faz isso para chamar a minha atenção, pensa que não sei?

Mandei cair fora a minha amante. Não sabe nem fazer sexo direito, cansei. Vou catar outra pessoa, mas antes espero um pouco, só um pouco. Porque ela está preparando terreno prá voltar, sinto isso. Me sorriu ontem, quando levei doces para a menina. Acho que vou levá-la no cinema, quem sabe a mãe não vai junto? Depois, a gente podia ir jantar...

(...)

Ela recusou o cinema. Mas não me tratou mal. Disse a ela que, se precisar de qualquer coisa, é só falar... Inclusive... Ela baixou os olhos, sorriu, com aquele jeito meigo de quando a gente namorava. Levei a menina pro cinema, feliz. Ela está arrependida. Só mais uns presentes, insistir um pouquinho. Ela se arrependeu, tenho certeza. Ela ainda me ama, eu sei. A gente não esquece tantos anos na mesma cama, assim, de repente. Posso até ter errado um pouco, reconheço. Mas, e o amor? Ela vai voltar, vai reconhecer que ainda me ama...

(Elaine Novaes Falco, CONFISSÕES, 1998)

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

CONFISSÕES [5]




Você não gosta mais de mim.
Eu sei. Tudo bem.
Acontece assim mesmo! Amores vem, amores vão...

(...)
Claro que ta tudo bem! Tudo bem, você sabe...

(...)
Tá bem MESMO!, repito.
E repito tudo isso, desde a hora que acordo até, digamos, mais ou menos oito e trinta, quando chego à conclusão que pode estar tudo bem prá você, mas não está bem para mim.

(...)
Então, esqueço isso. Porque, você sabe, eu não gosto de me magoar. Eu me respeito, não sofro à toa, por isso, pelo menos por dez ou quinze minutos, realmente não penso nisso. NÃO MESMO! Digo para mim, que não estou pensando em você, porque estou preocupada com... Bem. Estou preocupada com outras coisas! E passo os cinco ou dez minutos seguintes pensando em quais eram mesmo essas outras coisas, e então EU REALMENTE NÃO PENSO EM VOCÊ.

(...)

Estou em aula, e não estou nem me lembrando que você existe. Afinal de contas, você não se interessaria mesmo por esta música em latim que estou aprendendo. Só MUITO RARAMENTE MESMO, senão vinte vezes em cada aula, eu lembro que gostaria de comentar com você um assunto, mas logo esqueço disso. Não tenho razão para imaginar que você gostaria de saber a minha opinião, sobre um assunto que não lhe interessa. Prefiro perguntar àquele colega, interessado em mim, aliás. Mas sinto pena, porque ele se veste mal. Se usasse coisas mais jovens, mais leves, como aquela blusa azul que você tinha, ficaria com melhor aparência. Ainda assim, penso em convidá-lo para tomar um refrigerante. Agora que estou COM O CORAÇÃO LIVRE E DESIMPEDIDO, posso convidar quem quiser, estou mesmo com vontade de voltar naquele barzinho que freqüentamos por tanto tempo.

(...)

Só às vezes, raramente, descubro que perdi um pedaço da aula, divagando bobagens. Então rasgo a folha em que fiquei escrevendo seu nome. É um gesto simbólico, porque rasgando a folha, lembro que já esqueci você, que não quero sequer ver seu nome na minha frente. E isso é sério!

Acho que estou no caminho certo, porque os únicos momentos de pura nostalgia, são aqueles no final da noite, sozinha na minha cama que agora parece fria e vazia. Mas sei que estou melhorando: não choro tanto, nem fico mais do que duas horas prá conciliar o sono. Acabaram-se as noites de insônia!

Já te disse que sonhei com você, ontem?

(Elaine Novaes Falco, CONFISSÕES, 1998)

domingo, 26 de fevereiro de 2012

CONFISSÕES [4]






EU SEI QUE NÃO ADIANTA TENTAR EXPLICAR!



Porque não? Porque sei que não adianta. E ponto. Por em palavras? Seria ridículo! Está bem... Porque as pessoas são tão curiosas sobre tudo o que não podem entender?!?

A paixão, para mim, é uma espécie de loucura, mas a única loucura que me faz viver. E paixão, naquela hora, era também esfregar na cara de todo mundo – DELES! -, que eu podia ser feliz, enfrentar tudo e viver minhas emoções mais intensamente do que todos eles. Sim, isso já faz algum tempo, mas foi um daqueles momentos que jamais se esquece, que permanece conosco, grudados, por anos a fio.

Ninguém tinha coragem, como eu, de viver completamente o presente. Fazer todas as vontades, por mais urgentes e desesperadas que fossem. ELES se escondem atrás de máscaras, e eu queria que vissem, QUE ELES VISSEM QUE EU ERA FELIZ E SEM MÁSCARA NENHUMA! -, esfregar essa felicidade goela abaixo, desprezá-los por suas vidas rotineiras, VIVER!, VIVER!, VIVER!

Traí. Eu sei que traí, que menti, que fiz qualquer coisa, mas estava sendo autêntica, estava tendo a coragem que ninguém tinha, de afundar até o fundo mais fundo do poço das minhas sensações.

(...)
 


Mas um dia, acabou. Tentei, desesperada, que não acabasse. Mas acabou. Aqueles que me observavam de longe, riram em foram embora. E ELES!... Eles pegaram meus cacos, colaram sem jeito e com pena, tentaram compreender o que jamais poderiam entender, e usaram as máscaras de generosos e bonzinhos.

Eu bem sei que não adianta tentar explicar o que é isso, o ódio mortal de ser ajudada e socorrida justo por aqueles a quem você desprezou e traiu. Não, ninguém sabe. Preferia que eles morressem, queria vê-los sofrendo, entretanto eram justo eles que me ajudavam.

(...)

Penso nisso, e vejo como se estivesse completamente amarrada na frente de uma paisagem bucólica, onde não posso ir. Eu TENHO que gostar deles, você entende? TENHO que reconhecer o quanto me ajudaram, quando os odeio por isso. TENHO que aceitar o dinheiro, quando queria vê-los mendigando. TENHO que dizer que quero vê-los felizes, quando sonho com o sofrimento amargo de um por um. Porque existe no mundo gente assim, gente infernalmente boazinha, que faz tudo certinho, e que você tem OBRIGAÇÃO de gostar deles???

Queria nunca mais vê-los, poder destilar ódio contra essa gente que acha que sabe tudo, para quem tudo dá certo, de quem todo mundo gosta. Às vezes, quando este ódio parece que vai sufocar, eu me divirto em pregar-lhes pequenas peças, em exigir bobagens, pelo simples prazer de vê-los preocupados e ansiosos. Queria que uma vez, uma vez só que fosse, que eles sofressem um pouquinho de tudo o que eu sofri. E vê-los perder, aos caquinhos, aquela pose pedante de gente boazinha. E, quem sabe, sumissem da minha frente! Eu queria rir, explodir de rir, rir à exaustão, da cara deles, coitadinhos, tão bonzinhos!

(...)

Alimentei durante meses esse vazio, estas cordas que amarravam as mãos, os pés, a garganta. Eu ria um riso amargo, bebia muito sem me embriagar, porque o ódio me embriagava e me fazia feliz. E um dia... ah, luminoso dia!... Surgiu a oportunidade, a melhor dentre todas que já tinha havido.

E por mais uma noite, apaixonadamente, eu tentei – e consegui! -, fazê-los sofrer. De vez em quando, com prazer, observava a frustração deles, aquela dor quieta e angustiante que eu mesma aguentei tantos meses. Eu a reconheceria em qualquer lugar, porque durante tanto tempo, por causa DELES, também fui obrigada a carregar essa máscara da dor que não pode se mostrar. Nessa noite, eu era a luz, o espetáculo. Roubei a cena, o centro. Nesta noite. Nessa noite soltei todas as cordas, mergulhei naquela paisagem, sorvendo do doce prazer da vingança.

(...)


Eu sei que não adiante tentar explicar. Eles não mereciam, todos vão dizer, a vida inteira, eles não mereciam. Mas para mim, o problema não era este. Que me importa se eles mereciam ou não? EU merecia, por tudo o que eles me impediam de viver pelo simples fato de estarem ali, de saber, de ter me ajudado naquele momento em que deveria estar no auge, na glória, e não no fracasso abjeto a precisar de ajuda, e justo DELES.

Para mim, o problema é que você sabe, como eu sei, como eles souberam naquela noite, do meu ódio. Como uma nuvem, agora pesa em silêncio e solidão. Estou livre deles. Mas vazia. Tanto vivi deste amor e deste ódio, que agora só há o vazio.

(Elaine Novaes Falco, Confissões, 1998)

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

CONFISSÕES [3]

Tento disfarçar os olhos de desejo, a insegurança, o tremor no corpo cada vez que o vejo. Mas dificilmente consigo. Acabo tomando uma atitude, um pretexto qualquer, e mesmo sem saber se estou agindo certo ou errado, aproximo novamente. E brigamos, novamente.
Poucas pessoas, eu o apresentei. Amigos meus, a maioria, sequer sabe seu nome, ou que ele existe na minha vida. Ele é meu homem das sombras, de quem lembro cada milímetro do corpo, com quem partilhei prazer e os sonhos mais loucos, e ainda assim ele não foi mais que a sombra discreta e marcante, que ninguém viu direito, e que não consigo esquecer.
Há homens que compreendem mais que o corpo de uma mulher: compreendem sua essência. Presentes do destino, anjos noturnos para quem abrimos os braços, pernas, mentes e fantasias. Como um sonho. A noite o traz, a manhã o leva embora. Houvesse uma maneira de parar o tempo no passado, retê-lo ao meu lado, o faria indefinidamente.  Como prender um sonho? O amor que só faz sentido enquanto livre, deixa o gosto amargo de querer reter o que não existe, de uma liberdade frustrante.
Mesmo assim, ainda tento. Apenas para poder ver, mais uma vez, seus olhos, as idéias tão originais. Há nele aquele misto de solidão e orgulho que me fascina, sua mente alerta a cada gesto, cada imagem, a carência de quem tudo compreende, que dá vontade de proteger e de aninhar tudo aquilo que o faz distante, autoconfiante e alheio a tudo, exceto naqueles momentos...



Aqueles... momentos...




(Elaine Novaes Falco, Confissões, 1998)

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

CONFISSÕES [2]



Eu tinha alguém dentro de mim. Não era nada que pudesse ser explicado, mas era uma sensação estranha, que me acompanhava desde quando me sentia viva.
E eu me sentia viva há muito, muito tempo. Muito mais tempo do que aquele registrado nos documentos. Não havia muitos que aceitassem meu jeito. Sempre lia, bastante, procurando alguém que tivesse escrito que era como eu. Uma busca em que achei muitas explicações...
( explicações demais!)
... e nenhuma era completa. Havia vozes também...
(cuidado! Ela nos ouve!)
... mas nunca entendia direito o que elas queriam dizer. Porque eram muitas, e falavam todo o tempo. Por isso, não gostava dos lugares onde muitas pessoas pensavam e sentiam coisas diferentes, das multidões...
(fale mais alto. Me escute)
... porque as vozes da minha própria cabeça também falavam alto, e nesses momentos pensava que iria enlouquecer.
(preste atenção em tudo)
Nas festas, era comum me isolar. Bem no auge da bagunça, com todo mundo se divertindo, saía de mansinho...
(que bom! Você voltou!)
... e ficava tentando entender porque era assim, distante de tudo e de todos, como uma autista em seu mundinho particular.
(... medo? Vem, eu te conto uma história...)
Tentei ser normal, ou aquilo que eu achava que era normal. Anos a fio. Mas a sensação era a de estar representando em um teatro.
(você é um pouquinho de todos eles)
Não que fosse difícil. Eu entendia a todos, à minha volta, o que queriam, como eram, o que os fazia felizes. Eu só precisava querer, então entrava em sintonia, e se sentiam bem comigo.
Mas eu não me sentia bem, comigo.
Foi então que comecei a escrever.
No começo, não sabia bem o que queria. Acho que a vontade era divertir os outros, agradar, quem sabe ganhar dinheiro com isso. Era também uma forma de isolar a todos, entre canetas e papéis. Mas isso deixava gosto de sentimento de culpa. Se Deus...
(existe um deus? Porque deus significa culpa?)
... tinha dado a mim um dom para entender quem estava à minha volta, porque precisava me isolar?
(e se deus foi mulher? E se deus tiver família?)
Então, comecei a escrever a história das vozes. Não sei escrever direito, não gosto do jeito piegas com que, às vezes, distribuo idéias, e elas sempre parecem melhores quando estão só na minha imaginação.
(não destrua! Pode ser útil, um dia. Você vai querer rever...)
Realidade versus fantasia. A realidade parece irreal, a fantasia faz sentido. Foi em um daqueles finais de semana em que a gente procura coisas prá fazer, enquanto perguntamos porque fazer coisas que não se quer, que descobri o medo de ver, na realidade, aquilo que escrevia em fantasia...
(isso acontece. A energia está no ar)
... e por isso, não deixava a fantasia correr naturalmente. Eu a consertava, tal e qual fazia com a vida, sempre ajeitando as coisas pelo meio do caminho.
(... tanto trabalho a fazer...)
Se uma vez, uma vez só, conseguisse coragem para escrever o que realmente penso...
(haja coragem!)
... como quem faz uma regressão ao passado, afundando inconsciente na memória do tempo...
(quem tem medo do lobo mau?)
... poderia ver meus espelhos, as vozes que fazem parte de mim, as histórias de meus antepassados, entender e registrar parte das loucuras e das censuras de todos os tempos...
(será que não enlouqueceria?)
... então seria feliz.

(Confissões. Elaine Novaes Falco/1998)