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domingo, 26 de fevereiro de 2012

CONFISSÕES [4]






EU SEI QUE NÃO ADIANTA TENTAR EXPLICAR!



Porque não? Porque sei que não adianta. E ponto. Por em palavras? Seria ridículo! Está bem... Porque as pessoas são tão curiosas sobre tudo o que não podem entender?!?

A paixão, para mim, é uma espécie de loucura, mas a única loucura que me faz viver. E paixão, naquela hora, era também esfregar na cara de todo mundo – DELES! -, que eu podia ser feliz, enfrentar tudo e viver minhas emoções mais intensamente do que todos eles. Sim, isso já faz algum tempo, mas foi um daqueles momentos que jamais se esquece, que permanece conosco, grudados, por anos a fio.

Ninguém tinha coragem, como eu, de viver completamente o presente. Fazer todas as vontades, por mais urgentes e desesperadas que fossem. ELES se escondem atrás de máscaras, e eu queria que vissem, QUE ELES VISSEM QUE EU ERA FELIZ E SEM MÁSCARA NENHUMA! -, esfregar essa felicidade goela abaixo, desprezá-los por suas vidas rotineiras, VIVER!, VIVER!, VIVER!

Traí. Eu sei que traí, que menti, que fiz qualquer coisa, mas estava sendo autêntica, estava tendo a coragem que ninguém tinha, de afundar até o fundo mais fundo do poço das minhas sensações.

(...)
 


Mas um dia, acabou. Tentei, desesperada, que não acabasse. Mas acabou. Aqueles que me observavam de longe, riram em foram embora. E ELES!... Eles pegaram meus cacos, colaram sem jeito e com pena, tentaram compreender o que jamais poderiam entender, e usaram as máscaras de generosos e bonzinhos.

Eu bem sei que não adianta tentar explicar o que é isso, o ódio mortal de ser ajudada e socorrida justo por aqueles a quem você desprezou e traiu. Não, ninguém sabe. Preferia que eles morressem, queria vê-los sofrendo, entretanto eram justo eles que me ajudavam.

(...)

Penso nisso, e vejo como se estivesse completamente amarrada na frente de uma paisagem bucólica, onde não posso ir. Eu TENHO que gostar deles, você entende? TENHO que reconhecer o quanto me ajudaram, quando os odeio por isso. TENHO que aceitar o dinheiro, quando queria vê-los mendigando. TENHO que dizer que quero vê-los felizes, quando sonho com o sofrimento amargo de um por um. Porque existe no mundo gente assim, gente infernalmente boazinha, que faz tudo certinho, e que você tem OBRIGAÇÃO de gostar deles???

Queria nunca mais vê-los, poder destilar ódio contra essa gente que acha que sabe tudo, para quem tudo dá certo, de quem todo mundo gosta. Às vezes, quando este ódio parece que vai sufocar, eu me divirto em pregar-lhes pequenas peças, em exigir bobagens, pelo simples prazer de vê-los preocupados e ansiosos. Queria que uma vez, uma vez só que fosse, que eles sofressem um pouquinho de tudo o que eu sofri. E vê-los perder, aos caquinhos, aquela pose pedante de gente boazinha. E, quem sabe, sumissem da minha frente! Eu queria rir, explodir de rir, rir à exaustão, da cara deles, coitadinhos, tão bonzinhos!

(...)

Alimentei durante meses esse vazio, estas cordas que amarravam as mãos, os pés, a garganta. Eu ria um riso amargo, bebia muito sem me embriagar, porque o ódio me embriagava e me fazia feliz. E um dia... ah, luminoso dia!... Surgiu a oportunidade, a melhor dentre todas que já tinha havido.

E por mais uma noite, apaixonadamente, eu tentei – e consegui! -, fazê-los sofrer. De vez em quando, com prazer, observava a frustração deles, aquela dor quieta e angustiante que eu mesma aguentei tantos meses. Eu a reconheceria em qualquer lugar, porque durante tanto tempo, por causa DELES, também fui obrigada a carregar essa máscara da dor que não pode se mostrar. Nessa noite, eu era a luz, o espetáculo. Roubei a cena, o centro. Nesta noite. Nessa noite soltei todas as cordas, mergulhei naquela paisagem, sorvendo do doce prazer da vingança.

(...)


Eu sei que não adiante tentar explicar. Eles não mereciam, todos vão dizer, a vida inteira, eles não mereciam. Mas para mim, o problema não era este. Que me importa se eles mereciam ou não? EU merecia, por tudo o que eles me impediam de viver pelo simples fato de estarem ali, de saber, de ter me ajudado naquele momento em que deveria estar no auge, na glória, e não no fracasso abjeto a precisar de ajuda, e justo DELES.

Para mim, o problema é que você sabe, como eu sei, como eles souberam naquela noite, do meu ódio. Como uma nuvem, agora pesa em silêncio e solidão. Estou livre deles. Mas vazia. Tanto vivi deste amor e deste ódio, que agora só há o vazio.

(Elaine Novaes Falco, Confissões, 1998)

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