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terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Televisões, computadores, celulares... A vida em caixinhas?


Hoje conversei com Cosimo, que está preparando para contar a sua história, logo depois que HaimiaH terminar de escrever a dela. Ele é aventureiro e corajoso, o bastante para andar no mundo, percorrer esta época de transição, enquanto eu permaneço quieta na solitária casa das montanhas, onde optei ficar ao final da minha história, segura, aquecida pela madeira ardente que queima lenta na rústica lareira.
Cosimo é Filho do Sol, cresceu nas amplas planícies cobertas de mata virgem, planando entre as montanhas. Penso que ninguém mais do que ele, estranha o confinamento voluntário das pessoas que vivem neste século tão prepotente por suas conquistas tecnológicas.
Tomamos vinho fresco e quente, enquanto ele tentava fazer com que entendesse a lógica pela qual pessoas compram coisas, preocupadas em como farão para comprar novamente aquilo que já estão comprando naquele momento. Contou que o deus desta época, eles o chamam “ciência”. É venerado com a mesma fé cega que move o mundo desde sua origem. Mas não é diferente de todos os outros deuses que o precederam: também este promete a imortalidade com juventude eterna e a cura de todas as doenças, e também este promete um estado de infinita felicidade inatingível aos humanos por sua própria essência. E como todos os deuses, também este cobra caro e antecipadamente, por cada uma de suas promessas.
Este deus aprisionou a magia em caixinhas. Milhares e milhões de diferentes caixinhas, de diferentes tamanhos, de diferentes funções, continuamente fabricadas e sucessivamente vendidas a preços variados. E para honrar seu deus e viver nesta época, todas as pessoas precisam, obrigatoriamente, trabalhar exaustivamente para ter dinheiro para comprar várias caixinhas, que nunca são suficientes, é sempre necessário comprar mais e mais novas caixinhas, ininterruptamente. Nenhuma caixinha, jamais, leva o nome de seu dono, porque perdem parte de seu valor no exato momento em que passam a pertencer a alguém. Há lógica nisso: porque dar nome a algo que vai perder o valor, exatamente porque se tornou parte da vida de alguém? Assim, as caixinhas possuem apenas nomes genéricos, o mesmo nome para muitas caixinhas iguais, reproduzidas e vendidas em série, um número enorme. E quando foram vendidas, todas aquelas que se queria vender, surgem novas caixinhas, e as antigas caem no esquecimento para não mais existir. Eles as chamam de televisões, celulares, carros, geladeiras, câmeras, as identificam por funções ou por siglas, e as usam para ouvir, falar, sentir, guardar coisas e informações, e transportar-se de um lugar para outro. A vida, dentro de caixinhas. Cada caixinha promete a felicidade de um momento, e uma felicidade maior ainda na compra da próxima caixinha. É preciso acreditar no futuro, um futuro que vem a conta-gotas, uma gota em cada caixinha. E eu pensei: uma gota que é bebida em êxtase por pessoas que morrem de sede, porque se esforçam tanto para adquirir caixinhas, mesmo sabendo que nada do que adquirem pode durar ou manter seu valor. Como todos os deuses, também este é um deus cruel.


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