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domingo, 7 de abril de 2013

A CIDADE DOS HEREGES, de Federico Andahazi

No ano de 1998, o Vaticano autorizou que fossem feitas três provas de datação por carbono 14 em uma das mais famosas relíquias da Igreja Católica: o Santo Sudário.

As conclusões foram similares: para o laboratório de Oxford, a antiguidade do tecido era de 750 anos. Para o laboratório de Zurique, 675. E para o laboratório de Tuckson, 690 anos. Os resultados situam a criação do Santo Sudário entre os anos de 1260 a 1390, ou seja, exatamente o período histórico em que a Santa Sé autorizou e incentivou suas igrejas a manterem veneração de relíquias, visando o resultado financeiro das peregrinações religiosas que se popularizaram com esta prática. A orientação, previsivelmente, foi seguida pela manufatura de uma quantidade exorbitante de "relíquias", uma para cada igreja, grande ou pequena, que pretendesse aumentar seus rendimentos. Objetos que, em grande parte, tinham origem desconhecida ou infundada, quando não eram grotescas falsificações: lascas da cruz de Cristo, espinhos da coroa de Cristo, estátuas da Virgem chorando lágrimas de sangue, ossos dos santos e mártires populares e venerados.

Mas nem por isso o Santo Sudário perdeu seu glamour.
Ao contrário, continua sendo uma das relíquias religiosas de grande popularidade, e a crença em sua sagrada origem hoje divide espaço com a curiosidade de sua peculiar confecção. Pois o Santo Sudário não é uma simples pintura esmaecida pelo tempo. Então, do quê se trata, e como foi feito? O mistério prossegue, e as teorias abundam. Há quem credite que seja a primeira fotografia realizada no mundo, uma invenção de Leonardo da Vinci. Há quem defenda seja a impressão em sangue do corpo de um templário assassinado.

Este o pano de fundo com que Federico Andahazi constrói a trama de A CIDADE DOS HEREGES (leio em português, com tradução de Luis Reyes Gil, na edição de 2006 da Editora Planeta do Brasil/SP).

O que gosto nA CIDADE DOS HEREGES, é a construção dentro da moral e mentalidade da época em que se narra a história, por volta dos idos de 1.260 d.C, entre os feudos e mosteiros da Europa medieval. O livro se divide entre dois grandes temas: o amor e a ambição.

Andahazi descreve assim, o amor que se torna proibido porque confrontado com a concepção da santidade da abstinência masculina e a tentação demoníaca do desejo feminino.

A primeira parte da história é imperdível, tem como pano de fundo o controverso êxtase sagrado.  Sem pudor, o autor trata do fenômeno e de sua flagrante conotação sexual, tudo com referências e até notas de rodapé remetendo à pesquisa histórica dos diversos documentos de época (e a que temos pouco acesso...), como os testemunhos de Santa Margarite Cucherat e Santa Ângela de Fuligno. Ao mesmo tempo, recria pela ficção episódios de pedofilia e de rituais de exorcismo sobre supostas "possessões demoníacas" provocadas pela abstinência sexual , confinados nos segredos dos fictícios mosteiros, mas que também possuem precedente histórico registrados nos anais da Santa Inquisição.

Em paralelo, um ambicioso e cruel senhor feudal arquiteta produzir a mais importante relíquia do mundo, e assim construir e administrar sua própria e muito rentável igreja. Passo a passo, Andahazi constrói uma história plausível de falsificação daquele que depois viria a ser conhecido como o Santo Sudário.

Há, porém, que se dar a esta relíquia, um histórico suficiente a lhe prover credibilidade. Esta a questão com que se debate o ambicioso senhor feudal, com apaixonada veemência. E com esse argumento, Andahazi reproduz os caminhos tortuosos das interpretações das Escrituras Sagradas, em uma sociedade que despreza a vida, onde a morte é um espetáculo público de sacrifício e/ou exemplo de coerção.

Assim, na imaginação dA CIDADE DOS HEREGES, o Santo Sudário torna-se a hipótese de uma fraude, criada entre delírios de religiosidade, assassinatos, e o ideal da riqueza e reputação pública.











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