Eu
conhecia um pouco da vida de Copérnico, e outro pouco da vida de Galileu
Galilei. E em ponto de vista extremamente pessoal, sempre achei o primeiro mais
inteligente do que o segundo. Sinceramente, fosse eu a viver à sombra da Santa
Inquisição, com a certeza da morte na fogueira caso divulgasse minhas idéias,
possivelmente também as escreveria em segredo, para só serem divulgadas após a
minha morte. Alguns diriam que é covardia. Eu chamo de sobrevivência.
Mas,
opiniões à parte, conhecia muito pouco da vida de Kepler, até encontrar a
biografia romanceada de James A. Connor, intitulada A BRUXA DE KEPLER (em
português com tradução de Talita M. Rodrigues, Editora Rocco2004). Sequer sabia
que Kepler e seu amigo e patrono Tycho, contemporâneos de Galileu, foram tão
importantes quanto este último para a comprovação científica e divulgação das
teses de Copérnico.
A
compra foi curiosa. Estava acompanhando um namorado, para assistirmos juntos
uma palestra sobre artes marciais orientais que acontecia em uma livraria
esotérica afastada do centro, e que eu não conhecia. Gostei do lugar. Era uma
casa antiga, um sobrado pequeno ainda com a disposição arquitetônica dos
cômodos originais, a entrada com uma escadinha lateral e minúscula varanda
coberta. A casa tinha um saguão de entrada e duas salas de porte médio, onde
funcionava a livraria propriamente dita, com prateleiras e estantes dispostas
em um ambiente gostoso, exótico, cheio de imagens indianas, incensos queimando,
e cantinhos de leitura enfeitados com cristais e plantinhas. Havia vários
títulos de publicações alternativas, farto material esotérico, alguns poucos livros
de arte e literatura. Mas este livro estava em uma prateleira de assuntos diversificados.
Li a orelha sem muita atenção, paguei correndo porque a palestra já ia começar,
e por isso não imaginei que levaria para casa mais do que um simples livro de
ficção, com uma bruxa qualquer como personagem central.
Só
no dia seguinte, folheando e começando a leitura do livro, descobri com
surpresa e alegria que havia feito uma excelente compra. De fato, é a biografia
de Johannes Kepler, astrônomo e astrólogo contemporâneo de Galileu Galilei, um
dos maiores visionários de seu tempo. O título evoca toda a intriga religiosa
do século XVII, a consolidação do protestantismo na Europa, de sua rivalidade e
dos conflitos com a secular igreja romana, ao fato do próprio Kepler ter sido
um homem de profunda fé cristã, e um protestante que muito interessava aos
jesuítas. Mas refere-se, diretamente, ao fato de sua mãe Katharina ter sido
acusada e julgada por bruxaria. Por fim, o próprio Kepler seria excomungado de
sua igreja por suas heréticas idéias, por toda uma vida pesquisando provas de
que a terra não era o centro do universo, mas sim girava em torno do sol, e por
sua insistência em ver Deus revelar-se mais pela harmonia do Universo, do quê
creditando ao homem o título da maior criação divina.
As
intrigas religiosas são parte importante da biografia, ao focar a dependência
dos homens de ciência nascidos no Renascimento, das benesses e do mecenato
pelos homens de fortuna, quer fossem nobres, quer fossem os poderosos da igreja.
Neste ponto, ler a biografia de Kepler assemelha-se às de Michelangelo, Da
Vinci ou Caravaggio. Nenhum deles é realmente livre para exercer seu ofício ou
sua arte, todos dependem da boa vontade, do acolhimento e da remuneração de
algum poderoso. E assim, as intrigas passam a ser parte inerente de suas
biografias, e que, penso, não podem ser entendidas sem o contexto de época. É
impressionante o que Kepler consegue fazer, considerando a imensa quantidade de
dificuldades, problemas e conflitos que cerca toda a sua vida. Mas terminei o
livro com uma sensação de empatia, pensando se, para ele, a persistência não
adveio da sensação reconfortante de olhar a imensidão do universo,
aparentemente tão mais calma e perfeita do quê a mesquinhez da realidade
cotidiana.
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